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sábado, 8 de agosto de 2020

O sacerdócio do advogado

 Para este mês, escrevi sobre a relação da advocacia e o sacerdócio:

O sacerdócio do advogado

* Wagner Dias Ferreira

A Constituição diz que o advogado é indispensável à administração da justiça. Esta imprescindibilidade dá ao trabalho do profissional do Direito características muito singulares. Ele exerce atividade privada conectada de forma essencial ao Poder Judiciário.

Art. 133: o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Com o advento da COVID 19 e a falta de alinhamento entre os entes públicos executivo, federal, estadual e municipal sobre como enfrentar a pandemia, tornou-se fundamental para o advogado estar atento às  orientações dos tribunais, para realizar suas atividades.       

Inicialmente, ocorreu uma suspensão geral dos trâmites processuais físicos e eletrônicos. Logo a seguir foram liberados os trâmites em processos eletrônicos. Agora, como a contaminação pela doença não sede abre-se a possibilidade para a digitalização de processos físicos de modo a permitir que estes voltem a tramitar.

E ainda passou-se a realizar audiências por videoconferência, inicialmente as conciliações, depois inclusive as instruções e julgamentos, sempre garantindo o distanciamento social. O que foi possível porque no âmbito do judiciário o CNJ vem garantindo uma coordenação bem clara de como a justiça deve funcionar no período de isolamento social, tão necessário para minimizar o contágio e permitir que o sistema de saúde tenha condições de atender aos doentes que vão aparecendo e necessitando de internação.

A característica mista do trabalho do advogado, privado e público, porque indispensável a administração da justiça, dá ao jurista advogado uma perspectiva impar do tecido social.

O advogado está em contato com o cliente no ambiente privado, protegido pela inviolabilidade de seus atos e o Supremo Tribunal Federal já reconheceu o espaço do escritório como inviolável por ser corolário da inviolabilidade profissional pessoal do advogado (ADIN 1127, pub. 11/06/2010). Condição muito peculiar que coloca o profissional em uma condição muito singular para conhecer e examinar a sociedade, de forma pragmática e ágil para sempre vislumbrar solução a multiplicidade de conflitos que emergem e dão movimento ao tecido social.

 

Esta singularidade no exercício da profissão de advogado, contato privado com as pessoas naturais e jurídicas que compõem o tecido social, e uma atuação perante o Estado que tem caráter de imprescindibilidade permite ver as dinâmicas da sociedade com um prisma muito peculiar.

 

Quando Deus chamou Moisés de uma sarça ardente para atribuir a ele uma missão libertadora, o homem santo manifestou sua dificuldade para falar, no que foi acudido pela Divindade com a indicação de um Sacerdote, que seria um mediador, de certo modo, a voz de Moisés.

A dinâmica de entrevistar os clientes para apurar seus interesses ante os conflitos que descrevem ao advogado, procurar o mecanismo de submissão desta realidade trazida ao seu conhecimento as normas vigentes, sempre procurando, na medida do possível antever os passos processuais que serão trilhados é um trabalho profissional que assume sempre ares de ministério, quase sacerdotal. Os juristas mediando os homens e a justiça, os sacerdotes mediando os homens e a divindade. 

Advogado especialista em Direito Criminal e do Trabalho

Veja onde o texto já foi publicado: 

Portal Factótum Cultural:

https://factotumcultural.com.br/2020/07/30/o-sacerdocio-do-advogado/

Dom Total:

https://domtotal.com/artigo/8975/2020/08/o-sacerdocio-do-advogado/


sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Encarceramento em massa após a Lei Anticrime - Artigo de Alexia de Castro

Compartilho aqui um artigo muito pertinente escrito pela estudante de direito, Alexia de Castro.

Desde a Copa das Confederações em 2013, quando as manifestações de rua hostilizavam pessoas que ali estivessem expressando um pensamento mais progressista ficou claro que era necessário despertar no seio da população pessoas com a força desses compromissos de caráter mais coletivo. Pessoas que ultrapassando os limites do próprio indivídualismo se lancem no pensar e agir em prol da coletividade.

Alexia, acadêmica de Direito, faz este autolançamento, mostrando uma forte sensibilidade e preocupação social, e tomando como referência a categoria mais rejeitada, que é o setor carcerário. Disposta a suportar a crítica social a si mesma por abordar o tema, enfrenta seus medos, analisa com excelência os dados disponíveis e se posiciona de forma progressista conclamando todo o povo a pensar melhor nesta categoria muito marginalizada, para com efeito fazer todos pensarem melhor sobre esta categoria e as outras categorias que não estão lá naquele extremo da rejeição e marginalização social.

Eu que já fui chamado de estimulador jurídico por outra estudante de direito, gostei muito deste belo início de caminhada, que promete ir longe. Leia o texto naíntegra:

Encarceramento em massa após a Lei Anticrime

*Alexia de Castro 

Pouco se fala da inconstitucionalidade de alguns artigos alterados pela Lei 13.964/2019, conhecida como pacote anticrime. Dentre eles, o artigo 492, I, e. Ele fala que, para pessoas cuja condenação seja igual ou superior a 15 anos, o réu será imediatamente preso, sem que haja o devido processo legal, atingindo, portanto, o princípio da presunção de inocência. O condenado não terá sequer o direito de aguardar o trânsito do processo em liberdade.

Busca-se, com a alteração deste artigo, a punição em massa da população de baixo poder aquisitivo. O próprio STF declarou a inconstitucionalidade da execução antecipada após decisão de primeiro grau.

Muitas pessoas apoiam a prisão em segunda instância, sem que haja o trânsito em julgado. É totalmente inconstitucional, pois agride um direito fundamental, punindo ainda mais a população de baixa renda, e principalmente pessoas negras.

A população carcerária teve um aumento gradual nos últimos 20 anos. Foi cerca de 8,3% ao ano, sendo a maioria das pessoas negra ou parda (63%) e com baixo nível de escolaridade. Elas estão em vulnerabilidade social e este número reflete uma política que investe mais em presídios, do que em educação e saúde.

O Brasil mantém a quarta maior população carcerária do mundo. Fica atrás dos EUA, China e Rússia. São 748.009 pessoas presas de acordo com os dados fornecidos pelo DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, sendo 222.558 prisões provisórias.

Com base nesses números, 42% da população carcerária ainda não teve o devido julgamento. A desculpa é que a prisão corrige e restaura o indivíduo, mas a verdade é que ela é um meio de punição, reverenciado pela população, que ignora o crescimento carcerário.

A justificativa para a prisão é a regeneração do réu. Busca enquadrá-lo na sociedade como uma pessoa recuperada, mas a realidade é diferente. Quando se é preso ou está respondendo algum processo criminal, a sociedade o trata de forma indiferente. Não oferece oportunidades de trabalho, comprometendo o próprio sustento. Fazendo com que volte a cometer crimes para a sua sobrevivência.

Atualmente, a taxa de reincidência estimada é de 70% dos presidiários: a cada dez pessoas, sete voltam a cometer crimes. É certo que o problema é estrutural, onde agridem também outros direitos fundamentais além da liberdade, atingindo a dignidade da pessoa humana, passando esse constrangimento para as famílias dos réus que se submetem a tratamentos absurdos para visitar familiares nesta situação.

Não há dados comprovados de que a prisão é a solução para criar uma sociedade justa. Muito pelo contrário. Criam-se pessoas egoístas, que pouco se importam com o crescimento carcerário desde que não seja um membro da família. Contudo, sendo considerado constitucional, o art. 492, I, e do CPP contribuirá para que cresça ainda mais a população carcerária do Brasil ignorando totalmente os direitos fundamentais previstos na CF/88.

*Acadêmica de Direito

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Artigo de Tilden Santiago publicado no jornal Diário do Comércio

Texto teve a colaboração de uma ex-cliente minha a filósofa e educadora ambiental, Fátima Sampaio

Fonte: Jornal Diário do Comércio: 

https://diariodocomercio.com.br/opiniao/edgar-morin-o-indignado-ii/


Edgar Morin, o Indignado – II

Tilden Santiago*

Esse é um segundo artigo, para revelar aos leitores do DIÁRIO DO COMÉRCIO o perfil intelectual e militante de Edgar Morin, um judeu-francês, pensador mergulhado nas águas da Filosofia, História, Direito, Geografia, Antropologia, Sociologia, Epistemologia, Semiologia, Psicologia, Educação e Comunicação.

Aos 99 anos completados em 08/07/2020, é um intelectual profeta, que prenuncia uma renovação da Humanidade, passando pela superação de uma visão ingênua do conhecimento, que tenha como fundamento, uma Ciência fragmentada em campos isolados, impedindo a captação do todo fruto do avanço de todos os campos científicos, convergindo para alcançar o real, que não está preso a esta ou aquela especialidade científica.

No momento em que no Brasil homens públicos ingênuos se vangloriam de ter suas decisões sanitárias e posições fundamentadas na certeza da Ciência, emerge a figura desse guru intelectual, num nível bem acima de Olavo de Carvalho, o astrólogo, para lembrar que a certeza da Ciência, como se pensava no século passado, é uma ilusão. A Ciência só avança se superar o mito dogmático da certeza científica, canto de sereia que embalou a intelectualidade do século XX.

A Ciência é humana, fruto de um elan vital, que só vislumbra novos horizontes, quando se posiciona numa busca permanente do âmago do real, pouco importando em qual especialidade ela opera.

Para Edgar Morin, em vez de certeza científica de cada especialidade, elas deveriam se unir para, com o potencial de sua diversidade, elucidar o objeto de conhecimento dos homens e mulheres, hoje angustiados e/ou indignados com a possibilidade da barbárie, no lugar da civilização, da guerra nuclear entre nações obcecadas de poder pelo poder, inclusive no espaço, no lugar da paz, castigados pela desigualdade sistêmica dos agentes produtores da riqueza ligados ao Capital, ao dinheiro ou à força de

Todas essas ideias aqui colocadas foram apresentadas em videoconferência, promovida pelo Sesc de São Paulo, com merecidos aplausos a seu diretor-presidente, Danilo Santos de Miranda, e sua assessora para Assuntos Internacionais, Heloisa Pisani, âncora do debate, estando Edgar Morin em Paris e o presidente do Sesc em São Paulo.

Na videoconferência de domingo passado, Morin discursou sobre essas mudanças no âmbito do conhecimento científico e filosófico, verdadeiro divisor de águas do progresso humano, que para fazer avançar a História deve começar por um realismo com relação a sua capacidade de conhecer e o devido esforço para superar os limites de nosso intelecto finito, temporal caducando na medida que a História avança, criado e de essência relativa e não absoluta.

Esse escriba escreve esta contribuição à editoria de Opinião do DIÁRIO DO COMÉRCIO relembrando a figura de seu fundador, o visionário cidadão e jornalista José Costa. Lá das estrelas, ele, empresário que optou por militar nas entidades de classe, deve se inclinar e participar espiritualmente desta belíssima iniciativa do Sesc São Paulo.

É fundamental junto com a defesa dos interesses classistas, promover o avanço da Ciência e da Cultura, no caso aprofundando o pensamento de Edgar Morin, o Indignado de 90 anos.

*Jornalista, embaixador e sacerdote itinerante (com colaboração de Fátima Sampaio, filósofa e educadora ambiental)