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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Artigo de fevereiro é sobre justiça e solidariedade/fraternidade

“Quid Iuris” ? Qual Direito ?
*Wagner Dias Ferreira 

Nestes dias, a lembrança do professor Mafra (Faculdade de Direito da UFMG), na primeira metade da década de 1990, emergiu forte (porque a cada novo tema trazido à sala de aula ele proclamava o brocardo latino): “Quid Iuris”?

A carta do apóstolo Paulo aos Filipenses o apresenta como alguém que cumpria com perfeição a Lei de Moisés (cap. 3, vs. 4 a 6). E ainda em Atos dos Apóstolos afirma ser ele romano de nascimento (cap. 22, vs. 28).

Dessa forma, o apóstolo Paulo era um homem que possuía dupla cidadania (Romana e Hebraica). Com isso, gozava de direitos especiais no império. Mas todo esse direito ele considerou “refugo” por causa da sua fé (Fl 3, 8).

Hoje estamos vivendo em uma sociedade onde a cada dia somos surpreendidos pelos poderes constituídos e regularmente empossados com a utilização dos mecanismos democráticos praticando atos e discursos que, mesmo sendo constitucionais e legais, devem ser considerados como refugo. Falta-lhes a característica da fraternidade e da solidariedade com o ser humano vivo, livre e concreto do cotidiano.

A cristandade medieval fez com que, nos tempos modernos, preceitos da fé cristã se incorporassem nos discursos contemporâneos sem gerar comportamento das pessoas.

Hoje se vê pessoas que vivem suas vidas completamente de acordo com as leis. Não tem dívidas, preservam bem os seus nomes, nunca pisaram em uma delegacia são seres humanos “irrepreensíveis”. Mas não são solidários e não têm fraternidade.

Essas pessoas não percebem, no entanto, que essa vida irrepreensível, como considerou Paulo, é mero refugo.

Viver a justiça de Cristo implica ser criticado, ter seu nome altamente questionado por sua forma de pensar e de agir, e considerar toda essa legalidade e constitucionalidade como “refugo” se isso não atende a justiça, aquela que procede da fé e que reage diante da realidade como o samaritano da parábola.

Os noticiários têm trazido todos os dias a informação de que a atriz Jane Fonda, já idosa e consagrada por sua atuação no cinema, está sendo presa por participar de protestos na defesa de suas convicções, mesmo quando estas vão contra a lei, em busca de estabelecer uma justiça advinda de fé em um mundo melhor.

De outra sorte, governantes mundo afora e aqui dentro, estão proclamando a violência e facilitando o discurso de ódio.

Quando a Constituição da República reconheceu o princípio da solidariedade em seus fundamentos (Art. 3º, inciso I da CF/88), também constante da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de que: “todos devem agir uns para com os outros em Espírito de Fraternidade” (Artigo Primeiro da DUDH). Com certeza foi vedado no país o discurso do ódio e a promoção da violência.

Assim, as pessoas que, de qualquer forma se projetam com algum tipo de representação, têm o dever legal de se mostrarem e agirem com solidariedade e fraternidade. E qualquer discurso ou ação que se afaste destes princípios deverá ser rechaçado na prática cotidiana brasileira.

Merece, neste particular, elogio à iniciativa da igreja católica de propor uma campanha da fraternidade que se baseia no texto bíblico onde está delineada a parábola do bom samaritano (Lucas cap. 10, 33-34).

Como no caso do apóstolo Paulo, a irmã Dulce poderia ter se assentado sobre sua cidadania brasileira e na sua condição especial de freira. Mas a isso considerou refugo agindo para amar o próximo.

Está na hora de as pessoas passarem a cuidar do próximo. Abdicar de suas convicções, abandonar os discursos que trazem a segurança e tranquilidade e partir para a incerteza a fim de estabelecer a justiça que vem da fé. É necessário parar de fazer afirmações e proclamar convicções para questionar e buscar respostas, sempre que possível novas respostas.

Por isso, na boa lembrança do professor Mafra, “Quid Iuris”? Qual Direito? Que se iniciem os questionamentos, a fraternidade e a solidariedade.
*Advogado Criminalista
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