* Wagner Dias Ferreira
Luz para os pés, lâmpada para os caminhos, convicção de fatos
que não se veem e certeza de coisas que se espera são expressões encontradas na
Bíblia. Transmitem ao leitor o sentimento de certeza das coisas. Mas o homem é
o ser assolado por dúvidas. Indagações filosóficas: “Quem somos?” e “De onde
viemos?” nunca se calam. E a cada descoberta científica, aumentam. A palavra
descoberta é ótima, pois fala de algo que já estava lá e teve retirado de si o
fator que o escondia. Dúvida é a palavra que tortura os julgadores. Por isso,
desde áureos tempos já se preconizava o in
dubio pro reo – na dúvida, decida-se a favor do réu.
Na bíblia, já se vê o uso do in dubio pro reo por exemplo
quando em Deuteronômio 22, 25-27, o preceito bíblico manda decidir em favor da
mulher, por não haver meio de apurar se ela gritou ou deixou de gritar. No
tempo dos romanos encontra-se o Corpus
Iuris Civilis, que considera um princípio geral do direito, que está acima
da lei escrita, consubstanciando-se em um direito fundamental natural, sendo
que em inúmeras enunciações do digesto do Corpus
Iuris Civilis, elaborado por ordem de Justiniano e publicado em 533 D.C.,
encontram-se referências nesse sentido, ou seja, ao princípio favor libertatis.
O período medieval não descuidou da presunção de inocência
reconhecendo o in dúbio pro reo em
seus cânones chegando a referir no Cân. 1584 — Presunção é a conjectura
provável de uma coisa incerta; pode ser de direito, quando é determinada pela
lei, ou de homem, se é deduzida pelo juiz, e ainda no Cân. 1585 — Quem tem por
si a presunção de direito, fica liberto do ônus da prova, que recai sobre a
parte contrária, e por fim no Cân. 1608 — § 1. Para pronunciar qualquer
sentença, requer-se no ânimo do juiz a certeza moral acerca do assunto que deve
dirimir. § 2. O juiz deve fundar esta certeza no que foi alegado e provado. §
3. O juiz deve avaliar as
provas em conformidade com a sua consciência, respeitando as
prescrições da lei acerca da eficácia de algumas provas.
Por fim o tempo das luzes sedimentou o princípio do in dúbio pro reo com o pensamento
jurídico-liberal, que se espalhou pelo mundo após a Revolução Francesa, trouxe
no seu bojo este postulado, que se enraizou no contexto do Princípio do Devido
Processo Legal, sendo-lhe decorrente de forma direta e inconteste.
Sua origem remonta à Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1791, em seu art. 9º. Este princípio repercutiu universalmente,
tendo se reproduzido, mais recentemente, na Declaração dos Direitos Humanos, da
ONU, de 1948, que consagrou em seu art. 11:
"Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua
inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em
processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua
defesa".
Nossa Constituição absorveu o ensino da Declaração Universal
dos Direitos Humanos e incluiu o princípio no Devido Processo Legal e na
Presunção de Inocência contidos no artigo quinto. Por isso, in dúbio
pro reo é princípio cunhado ao longo da história humana a custo de muitas
vidas que foram cimentando com seu sangue este ganho da humanidade, daí que se
apropriar disso, utilizá-lo cotidianamente e exigi-lo quando for o caso é
obrigação de todos os homens, para que não se perca a conquista e ao perdê-la
não se perca a humanidade.
* Advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG