Leia na íntegra:
Dignidade Humana Naufragada
*Wagner Dias Ferreira
O art. 28 da Lei 7.210/84 Lei de Execução Penal referencia o trabalho do preso como dever social e condição de dignidade humana, dando a esse trabalho finalidade educativa e produtiva. E isso visando a que os segregados não permaneçam sendo tratados como se diz de forma coloquial “mosca no cocô do cavalo do bandido”.
Essa é uma determinação legal que “deve ser” sempre implementada no âmbito do sistema prisional para muito mais que liberar o corpo do preso, libertar a sua mente, abri-la para as infinitas possibilidades de uma vida com a dignidade humana promovida, preservada e protegida e, muito mais, para a honradez do dever cumprido.
Abrindo os olhos para a realidade brasileira contemporânea está evidente que a Constituição traz esse dever ser a todos os cidadãos presentes no território nacional. E por isso é dever do empresariado e dos governantes agirem para suprimir a nefasta falta de trabalho e renda que assola o prova brasileiro como um todo.
Estão fora deste número todas as pessoas que compõem a força de trabalho, mas não têm um emprego formal ou por serem donas de casa, que não trabalham fora, estudantes de tempo integral, empreendedores. E sobre os empreendedores é relevante pensar sobre os novos MÉIs Micro Empreendedores Individuais, que são pessoas que trabalham sem vínculo de emprego formal, devidamente anotado na carteira de trabalho, mas possuindo o CNPJ de MEI emitem nota fiscal dos serviços prestados, trabalhando muitas vezes com subordinação, mas sem a proteção própria da CLT.
O advento da pandemia colocou à mostra a ferida de uma escalada neoliberal iniciada ainda no século XX. Reduzir a proteção previdenciária, reduzir a proteção de assistência social, limitar a ação do SUS restringindo medicamentos e procedimentos (o que causa uma extensa judicialização da saúde), reduzir direitos trabalhistas ou contorná-los com terceirização e “uberização” da mão de obra.
Esta desconstrução de direitos sociais lançados na Constituição como “cláusulas pétreas” foi enormemente alavancada com o irradiamento do coronavirus na sociedade capitalista contemporânea.
Nos Estados Unidos, país exemplo do capitalismo selvagem moderno, houve forte ajuda às pessoas e empresas pelo Governo, ainda no mandato de Donald Trump que negava a gravidade da doença, demonstrando que mesmo no capitalismo mais ideológico do mundo se exigiu ações sociais fortes do governo. Renovadas e reforçadas essas ações sociais no novo Governo Biden. Quando o enfrentamento da doença já indicava uma amenização pelo forte avanço da vacinação em andamento.
No Brasil, o governo foi arrastado a fazer um programa social de ajuda denominado Auxílio Emergencial no primeiro ano da pandemia. E foi arrastado a providenciar vacinação, quando praticamente o Governo de São Paulo já estava pronto para vacinar sem Governo Federal e sem ANVISA. Tanto é verdade, que no mesmo minuto que a ANVISA finalizou a transmissão da reunião onde aprovou a utilização da coronavac, a enfermeira Mônica já estava posicionada com braço em riste para receber a primeira dose de vacina no Brasil. Tudo ao vivo pela TV.
Esta anomia do governo federal é certamente causa fundante da proliferação da doença e do agravamento de seus efeitos na sociedade brasileira. Constituindo verdadeiro mecanismo de subtração da dignidade da pessoa humana. Já que a mudança de cultura para lidar com este fenômeno de saúde exige absurda firmeza daqueles que são influenciadores do comportamento das pessoas e sempre neste aspecto o governo em primeiro lugar.
Estando já em curso o segundo ano da pandemia, que se apresentou muito mais grave que aquele primeiro ano, a edição proposta pelo governo do auxílio emergencial foi muito mais tímida e com menor alcance. E mais uma vez o governo é arrastado a uma atitude mais efetiva no combate a pandemia, o que ficou bem claro na reunião para a qual o Presidente da República foi chamado pelos presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal.
Mesmo assim o Brasil continua parecendo um barco à deriva, sem comando. Fazendo lembrar as imagens e os áudios de um transatlântico naufragado na Itália onde o comandante da Guarda Costeira a todo tempo ordenava que o Capitão retornasse para dentro a embarcação naufragada. Aqui, todo o povo implora que alguém assuma o comando do país naufragado.
O legislativo somente conseguiu aprovar o orçamento para 2021 quando já passados três meses do ano em que o orçamento deveria ser executado. E mesmo assim o orçamento está classificado como inexequível.
O judiciário decide coletivamente
que prefeitos e governadores têm autonomia para decidir sobre restrições
sanitárias, claramente, porque o Governo Federal está
Como naquele navio naufragado onde não há vozes de orientação sobre para onde ir ou o que fazer, sem auxílios para sobrevivência, cada um deve buscar as formas de proteção disponíveis: usar sempre duas máscaras, lavar sempre as mãos, usar sempre álcool em gel ou líquido mesmo, manter o distanciamento, só sair se for por motivo de saúde, alimentação e trabalhos classificados como essenciais. E mesmo assim há risco de adoecer. E se adoecer é loteria. Uns não terão nada. Outros vão precisar de medicação em casa mesmo. Outros vão precisar se internar em enfermarias. Outros vão precisar se internar em UTIs e outros vão morrer.
A vacinação, mesmo tímida, está avançando e precisamos nos proteger só um pouco mais para estarmos imunizados. Todos aguentemos. E assim como foi feito com muitos nazistas após a segunda guerra mundial, ou com carrascos dos Bálcãs, é imperativo que passado este momento absurdamente doloroso os protagonistas do caos sejam chamados a responder por seus atos e omissões, neste novo holocausto, a fim de restaurar aqui a dignidade, a confiança e a honradez do povo vitimado.
*Advogado Criminalista
Além da minha coluna no Dom Total, confira onde também foi publicado:
Dom Total:
https://domtotal.com/artigo/9398/2021/04/dignidade-humana-naufragada/
Diário de Araguari:
Revista O Lutador:
http://revista.olutador.org.br/noticia/dignidade-humana-naufragada-20042021-151938
Migalhas:https://www.migalhas.com.br/depeso/344030/dignidade-humana-naufragada