Intrepidez para a Democracia
*Wagner Dias Ferreira
O livro de Hebreus na Bíblia conclama as pessoas a entrarem
com intrepidez no Santo dos Santos, ou seja, o lugar mais Santo que existe, a
presença pura e santificadora de Deus, e esclarece que o caminho exige limpeza
anterior pelo sangue de Jesus e aí sim, a passagem pelo “véu”, que é o Corpo de
Cristo ou sua Carne, e entrando assim no
lugar santo. O que essa passagem está propondo é uma plena libertação do homem,
libertação das coisas deste mundo e do pecado.
Dela, pode-se extrair que o caminho para esta liberdade deve
ser alcançado com intrepidez. Veja que não é com artifícios, ardis, esperteza...
A palavra usada é intrepidez, que, tomada ainda que superficialmente do
dicionário, traz uma carga moral de conteúdo ligada a honradez, correção e
coragem.
Claramente se exige para o exercício da plena liberdade há
que se ter intrepidez, valentia, postura, respeito e responsabilidade. Qualidades
que certamente distinguem a pessoa na multidão.
Então entre os sete bilhões de pessoas, que são transeuntes
no planeta Terra, há aqueles que, apesar de se locomoverem livremente exercendo
o direito de ir e vir não são livres, isso porque lhes falta a condição
necessária para a liberdade, aquela constituída pela intrepidez.
Neste ambiente é que se pode observar claramente que o habeas
corpus, símbolo jurídico e constitucional maior da liberdade e do Estado
Democrático, é sempre o primeiro a ser caçado para o estabelecimento de um
regime de força. Isso porque há necessidade de ceifar a voz, as ações e até a
vida das pessoas intrépidas.
Um olhar no comportamento dos tribunais relativamente ao tratamento dado ao habeas corpus nos dias de
hoje constata-se seu barateamento. A redução gradativa de acesso ao remédio
constitucional e sua aplicação indiscriminada por ministros do STF promovem a
perda de valor para este instrumento o que é lastimável.
Palmilhando os pisos de faculdades de direito todos os
estudantes certamente escutam os professores aludirem ao antiguíssimo argumento
de que um habeas corpus pode ser elaborado e interposto até em um papel de pão.
Aludindo ao antigo costume de enrolar a baguete com um papel, do tipo
reciclado, apenas no local onde se vai por a mão para levar o pão para casa.
No entanto, esta realidade segue mudando já que não raras
vezes estão a intimar os advogados para apresentarem procuração após a
interposição do HC. Inegável que isso reduz o alcance e aplicação do mecanismo
liberatório.
Noutro giro, o STF concedendo ordem de liberdade no mesmo dia
da prisão do indivíduo. Em franca destruição do habeas corpus que precisa
manter sua singularidade no ordenamento jurídico.
A sociedade brasileira deve estar atenta ao fato de que a
intrepidez é necessária para o exercício direto e efetivo da liberdade e para
defender e preservar o alcance do instrumento constitucional máximo para o
exercício de liberdade, que é o consagrado habeas corpus.
*Advogado e Membro da Comissão de
Direitos Humanos da OAB/MG
Confira onde o artigo já foi publicado:
Dom Total: http://domtotal.com/artigo/7487/2018/06/intrepidez-para-a-democracia/
O Debate: https://www.odebate.com.br/ideias-em-debate/intrepidez-para-a-democracia-12-06-2018.html
Correio do Papagaio: http://www.correiodopapagaio.com.br/pdf/local/1157.pdf
Diário do Aço: https://www.diariodoaco.com.br/ler_noticia.php?id=59712&t=intrepidez-para-a-democracia
Informe Jurídico:
Revista Ações Legais:
http://www.revistaacoeslegais.com.br/edicoes/91/files/assets/basic-html/index.html#98-99
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