*Wagner Dias Ferreira
Certa feita, fui contratado para
atuar na causa de um cidadão da terceira idade, com hábitos exóticos, que foi
preso em Belo Horizonte e levado para o departamento de investigações da
Lagoinha. Tratava-se de um processo antigo, onde com certeza a questão já
deveria estar prescrita ou bem próxima disso. No entanto, o princípio da
legalidade, que muitos confundem com burocracia, necessário para dar segurança
jurídica, e que rege os atos do Estado, estava a exigir uma decisão judicial
que primeiro libertasse o homem para aguardar a solução da querela em liberdade
e depois que desse fim a essa querela.
As peculiaridades do caso o tornam
singular para esse momento de Minas Gerais. Primeiro o fato antigo que gerou
toda a situação processual e a prisão em Belo Horizonte ocorrera na cidade de
Janaúba/MG.
É importante ressaltar que a família
do homem preso não sabia desses fatos antigos. Constituída bem depois dos
acontecimentos nunca souberam antes desta situação. Daí, após combinar o
custeio das despesas e os honorários para a ação emergencial do advogado com
familiares do homem preso, houve o deslocamento até o estabelecimento prisional
para conversar com o homem de hábitos exóticos onde mais informações sobre o
acontecimento antigo foram trazidos ao profissional.
Depois dessa conversa, foi necessário
o deslocamento até a cidade de Janaúba. Após fazer um lanche na própria
rodoviária, o advogado pegou um táxi para saber onde se localizava o Fórum, no
ponto onde há grande oferta de deslocamento para o Projeto Jaíba, o que
desperta a curiosidade, mas não para aquele momento.
Chegando ao Fórum da cidade de
Janaúba ainda não eram 7 da manhã. O advogado se sentou em um banco de praça
para observar a movimentação e quiçá conseguir entregar o seu pedido de liberdade
antes das 12 horas, afinal, em BH os pedidos podem ser entregues a partir de 8
horas. Por volta de 7h45, um homem abriu o fórum e entrou cerrando a porta
atrás de si. De forma que com a porta sempre fechada o pedido do advogado
somente pode ser entregue às 12 horas mesmo.
No fim do dia, quando encerraram as
audiências ao entrar no gabinete do juiz para despachar o pedido e tentar
retornar a Belo Horizonte no mesmo dia, qual foi a excelente surpresa do
advogado ao constatar que aquele primeiro servidor público que abrira o fórum
bem cedinho era o juiz. E que ainda trabalhava ali numa jornada que já superava
as 12 horas.
O despacho foi proferido, o alvará
foi entregue e o advogado pôde retornar no mesmo dia. Aquele juiz mostrou ao
advogado que a magistratura tem seus exemplos de dedicação e solidariedade com
os pares, fazendo aumentar o respeito pelo múnus dos magistrados.
Esse caso é contado como um
reconhecimento de que a cidade tem um espírito forte e envolve a todos que nela
se instalam ou a ela convergem. Como fez com aquele juiz. E é este espírito
forte que agora no momento difícil da cidade está a ser observado nas famílias
das vítimas e no heroísmo da professora que deu a vida pelos alunos e de suas
colegas que sofreram queimaduras na luta pela vida.
Eu admiro Janaúba e me solidarizo com
seu povo de quem aprendo a força para viver um nível acima do padrão das
pessoas normais, como eles fazem.
*Advogado e Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG
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