Pesquisar este blog

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

A lição de Janaúba

*Wagner Dias Ferreira

Certa feita, fui contratado para atuar na causa de um cidadão da terceira idade, com hábitos exóticos, que foi preso em Belo Horizonte e levado para o departamento de investigações da Lagoinha. Tratava-se de um processo antigo, onde com certeza a questão já deveria estar prescrita ou bem próxima disso. No entanto, o princípio da legalidade, que muitos confundem com burocracia, necessário para dar segurança jurídica, e que rege os atos do Estado, estava a exigir uma decisão judicial que primeiro libertasse o homem para aguardar a solução da querela em liberdade e depois que desse fim a essa querela.

As peculiaridades do caso o tornam singular para esse momento de Minas Gerais. Primeiro o fato antigo que gerou toda a situação processual e a prisão em Belo Horizonte ocorrera na cidade de Janaúba/MG.

É importante ressaltar que a família do homem preso não sabia desses fatos antigos. Constituída bem depois dos acontecimentos nunca souberam antes desta situação. Daí, após combinar o custeio das despesas e os honorários para a ação emergencial do advogado com familiares do homem preso, houve o deslocamento até o estabelecimento prisional para conversar com o homem de hábitos exóticos onde mais informações sobre o acontecimento antigo foram trazidos ao profissional.

Depois dessa conversa, foi necessário o deslocamento até a cidade de Janaúba. Após fazer um lanche na própria rodoviária, o advogado pegou um táxi para saber onde se localizava o Fórum, no ponto onde há grande oferta de deslocamento para o Projeto Jaíba, o que desperta a curiosidade, mas não para aquele momento.  

Chegando ao Fórum da cidade de Janaúba ainda não eram 7 da manhã. O advogado se sentou em um banco de praça para observar a movimentação e quiçá conseguir entregar o seu pedido de liberdade antes das 12 horas, afinal, em BH os pedidos podem ser entregues a partir de 8 horas. Por volta de 7h45, um homem abriu o fórum e entrou cerrando a porta atrás de si. De forma que com a porta sempre fechada o pedido do advogado somente pode ser entregue às 12 horas mesmo.

No fim do dia, quando encerraram as audiências ao entrar no gabinete do juiz para despachar o pedido e tentar retornar a Belo Horizonte no mesmo dia, qual foi a excelente surpresa do advogado ao constatar que aquele primeiro servidor público que abrira o fórum bem cedinho era o juiz. E que ainda trabalhava ali numa jornada que já superava as 12 horas.

O despacho foi proferido, o alvará foi entregue e o advogado pôde retornar no mesmo dia. Aquele juiz mostrou ao advogado que a magistratura tem seus exemplos de dedicação e solidariedade com os pares, fazendo aumentar o respeito pelo múnus dos magistrados.

Esse caso é contado como um reconhecimento de que a cidade tem um espírito forte e envolve a todos que nela se instalam ou a ela convergem. Como fez com aquele juiz. E é este espírito forte que agora no momento difícil da cidade está a ser observado nas famílias das vítimas e no heroísmo da professora que deu a vida pelos alunos e de suas colegas que sofreram queimaduras na luta pela vida.

Eu admiro Janaúba e me solidarizo com seu povo de quem aprendo a força para viver um nível acima do padrão das pessoas normais, como eles fazem.


*Advogado e Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG

Nenhum comentário:

Postar um comentário