Ser romântico é ser eterno
* Wagner Dias
Ferreira
No mês de agosto morreu um admirado
advogado, o elogiável e combativo Vicente Gonçalves. Para muitos, o Vicentão.
Com grande história de lutas pelos pobres, ele com certeza me ensinou a
humildade como técnica de trabalho. No mesmo mês, aliás na mesma semana morreu
Vander Lee, o poeta romântico.
Certa feita havia um júri a ser
realizado na Comarca de Santa Luzia, Minas Gerais, onde a bancada de defesa
seria compartilhada por três advogados eu, o advogado Vicente Gonçalves e um
bom amigo que ele sempre chamou de “Quas, quas, quas” carinhosamente. Quando
aguardávamos o início dos debates eu ansiosamente quase como um aluno no
primeiro dia de aula perguntava ao colega Vicente sobre a tese defensiva, que
estava preparada para ser legítima defesa, e como dividiríamos a dissertação de
defesa, e o dr. Vicente, humildemente, mas com uma segurança apaixonante disse:
“é preciso esperar para ver o que o promotor vai falar”. Esse momento foi há
cerca de 10 anos.
No mesmo dia e depois, ao longo do
exercício da atividade profissional, ter aprendido a esperar o Ministério
Público antes de me armar mostrou-se extremamente importante. Muitas vezes me
deparei com situações onde o promotor de justiça, mesmo sendo parte acusadora,
e tendo levado o processo até o plenário do júri no momento de falar pediu a
absolvição do acusado, e em outras tantas vezes pediu uma condenação abdicando
de circunstâncias qualificadoras o que já atendia a principal tese defensiva.
Em outras oportunidades, após ver o
promotor de justiça concluir a exposição de suas razões muitas coisas que ele
disse puderam ser usadas contra ele mesmo ou puderam ser invocadas na fala
defensiva sem a necessidade de releitura de peças processuais o que por vezes
prejudica a concentração em explicar aos jurados a tese central de defesa. Conviver
com Vicente foi aprendizado que permanecerá.
Na mesma semana morreu o cantor e
compositor Vander Lee. A obra dele me ganhou com a música Românticos. Nela, ele
diz que “românticos são uma espécie em extinção” e que romântico é aquele que
pede perdão mesmo quando tem razão.
O romantismo foi um movimento que
afetou a arquitetura, a literatura, a música e as artes em geral de uma época.
Tendo no Brasil elevado nomes como o do poeta Castro Alves, reconhecido por sua
obra poética comprometida com transformações na sociedade da época, notadamente
pela extinção da escravatura.
Esse tipo de romantismo não se
confunde com o pensamento melado de uma relação entre duas pessoas, mas com o
comprometimento com uma causa, onde se abdica do próprio ter razão para levar
esta causa a uma transformação social. Lembrando que toda transformação social
é uma transformação jurídica.
Assim, o romantismo de Vander Lee,
que militou para o Movimento Sem Terra, inclusive, uma de suas últimas
apresentações foi no Festival Nacional de Arte
e Cultura da Reforma Agrária, o aproxima de Vicente Gonçalves. Ambos são
românticos no sentido de que o compromisso social e político com transformações
da sociedade os tornam dignos de serem lembrados e reverenciados, como Grandes
Homens Brasileiros e que produziram por seu simples existir efeitos permanentes
no universo.
* Advogado e Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG
Confira onde o texto já foi publicado:
O Tempo:
Hoje
em Dia:
Dom
Total:
Correio
de Uberlândia:
Migalhas:
Jornal da Manhã (Uberaba):