O som terrível do silêncio
*Wagner Dias Ferreira
Todas as pessoas que nasceram e foram
criadas no Brasil já passaram por uma situação onde alguém interpela outro ser
humano e ante o silêncio utiliza o velho jargão: Estou falando com você.
Demonstrando que há um pressuposto cultural de que toda pergunta deve ser
respondida e que o silêncio provoca na pessoa um incômodo interior quase
insuportável.
Historicamente, desde tempos
inquisitoriais, busca-se dos acusados de praticar conduta criminosa a confissão
de seus pecados. Em dado momento sob o argumento de que a confissão levaria à
redenção da alma pecadora. Para isso todo tipo de instrumento de tortura e
práticas diversas foram desenvolvidos ao longo da existência humana com
objetivo de se obter confissões.
Na verdade, a confissão traz paz ao
inquisidor, que irá se justificar com o argumento de que a pessoa confessou,
seja ou não verdade o conteúdo da confissão.
No Brasil em tempos de Governo de
Força a prática da tortura para obtenção de informações a respeito de
organizações de resistência aos abusos praticados pela Ditadura Militar era
amplamente utilizada, muitos registros a esse respeito em livros, filmes já se
fez.
Em 1988, a Constituição da
República consagrou o direito ao silêncio. O preso será informado de seus
direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a
assistência da família e de advogado.
Nesta oportunidade não se falará do
desrespeito pelo Estado em relação ao direito de um preso de ter assistência de
advogado no ato de sua prisão. Sendo a pessoa presa uma pessoa pobre não terá
advogado, pois não se estruturam as defensorias públicas nem para atender as
demandas de processos judiciais, muito menos para atender aos atos de prisão.
Desta forma, resta ao preso única e exclusivamente
como instrumento de defesa o direito de permanecer calado. E muitas vezes este
direito é totalmente desrespeitado pelo policial militar que faz a abordagem no
local dos fatos na hora que os fatos estão acontecendo, é desrespeitado pelo
delegado de polícia e seus agentes, é desrespeitado pelo promotor de justiça e
pelo juiz.
Não raros são os casos em que o
policial militar que foi protagonista em uma prisão em flagrante comparecer em
juízo e ele policial afirmar nas perguntas do promotor de justiça que ouviu a
confissão do preso, daí ao ser indagado pela defesa se informou ao preso os
seus direitos, antes da confissão, dizem que é o procedimento, ou que a
confissão foi oferecida antes mesmo que o policial pudesse dizer qualquer
coisa.
Em outras situações delegados de polícia
intimam a pessoa para prestar depoimento sobre uma situação “x” e durante as
perguntas aproveitam para ficar perguntando sobre uma situação “y”. De modo a
pretender da pessoa inquirida que responda a perguntas sobre situações nas quais
ela pode ser incriminada, sem contudo lhe informar do direito de permanecer
calada, já que, originalmente, a polícia já sabia que queria apurar realmente
era a situação “y”.
Já se pode observar até promotores de
justiça e juízes dizendo em audiência que a pessoa tem o direito de permanecer
calada, mas o promotor e o juiz têm o direito de perguntar. Daí ficam fazendo
perguntas detalhadas do fato para confundir o acusado e quem saber arrancar
dele alguma resposta que será interpretada em seu desfavor.
Observem como o silêncio perturba o íntimo
do interlocutor. Permanecer em silêncio provoca no interlocutor um enorme
transtorno. Eis que todas as suas convicções sobre o acontecimento lhes são
devolvidas e ele se dá conta de que precisa reexaminar o evento, que muitas
vezes não pode verdadeiramente provar.
A enormidade de prisões baseadas na
suspeita, que nada mais é que o fruto de uma visão preconceituosa de
determinados grupos de pessoas, agrava o transtorno interno sofrido pelo
acusador de um preso que permanece em silêncio, porque diante do silêncio ele
precisa se ver diretamente com seu preconceito e discriminação. Daí as atitudes
violentas e nervosas e os ardis para se tentar obter, a todo custo, uma
confissão.
É como quando se vai a um cemitério.
Os mortos estão ali quietos, em silêncio, mas provocam no visitante um enorme
transtorno interno, posto que obrigam a este transeunte que pensem no seu
momento de iniciar o silêncio perpétuo, e isso em certos momentos pode ser
aterrorizador, mas em outros libertador motivando para uma atitude mais
positiva, solidária, de honra e de virtude diante da vida.
Façam Silêncio.
*Advogado e Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG
O artigo já foi publicado em:
O Debate:http://www.odebate.com.br/ideias-em-debate/o-som-terrivel-do-silencio-19-09-2017.html
Informe Jurídico:http://infodireito.blogspot.com.br/2017/09/o-som-terrivel-do-silencio.html
Diário do Aço e em suas redes sociais: http://www.diariodoaco.com.br/ler_noticia.php?id=53279&t=o-som-terrivel-do-silencio
Últimas Notícias:
O Norte de Minas:
Ribeirão das Neves.net:
http://ribeiraodasneves.net/colunas/152-wagner-dias-ferreira/6999-o-som-terrivel-do-silencio
Diário de Araguari
Ribeirão das Neves.net:
http://ribeiraodasneves.net/colunas/152-wagner-dias-ferreira/6999-o-som-terrivel-do-silencio
Diário de Araguari
Também confirmou publicação, mas o jornal só circula na versão
impressa