O artigo que escrevi este mês para a minha coluna na revista Dom Total já foi publicado. Convido todos a lerem aqui no meu blog. Se preferirem, ao final do texto, há um link para que possam acessá-lo direto do site da publicação.
Colunas Wagner Dias Ferreira
Prisão como solução final
Quando o estudante inaugura o banco da faculdade de direito de pronto passa a fazer os estudos introdutórios. Entre os primeiros conhecimentos que lhe chegam defronta-se com debates sobre o direito como concessão divina aos homens, o direito como arte, o direito como ciência. E desenvolve descobrindo possibilidades neste aspecto da sociedade que é o Direito. Os registros históricos demonstram que nos tempos antigos os homens acreditavam receber o direito dos deuses ou mesmo de iluminações de homens que se diziam porta vozes de Deus. Um exemplo que marca fortemente a sociedade ocidental é a história de Moisés, que se acredita recebeu diretamente de Deus a tábua dos dez mandamentos. Aí se vê o direito como algo social concedido aos homens por Deus para que possam sobreviver em sociedade e, atendendo ao objetivo de formar um povo diferenciado é que surge, nestas normas recebidas pelo profeta, a necessidade de uma marcação no corpo daquelas pessoas.
Com a evolução da sociedade e o surgimento dos romanos, o direito passa a ser ditado para a sociedade pelo Senado Romano ou pelo imperador. Mas ainda é forte a presença da divindade, tanto assim que em certo momento há uma identidade entre a igreja e o Estado. Chegando mesmo a ocorrer momentos em que o papa católico coroava o imperador e os reis que o seguiram no período medieval. Na transição para o período moderno, havia em muitas localidades a crença no poder divino dos reis. Sendo forte a influência da religião na elaboração do direito para a sociedade.
Com o iluminismo e a Revolução Francesa, começa a se fortalecer a ideia do Direito como fruto do contrato social. Os homens reunidos para viver em sociedade definem as regras de convivência que irão seguir nos seus atos cotidianos. Esse tipo de conceito, unido a uma multiplicidade de outros fatores, levou os homens a transformarem profundamente a sociedade impondo limites aos governantes, bem como a ditar a forma de acesso ao poder, com a participação do povo cada vez mais ampla nas definições políticas do Estado, possuidor do monopólio da força, ao menos teoricamente.
Em todos estes modos de ver o Direito sabe-se que na verdade havia fortes interesses a se defender na elaboração das normas. Moisés, um príncipe sem direito ao trono, queria transformar um grupo de escravos egípcios em um povo autônomo, pois eram muito mais numerosos do que os egípcios e eram eles quem produziam toda riqueza com seu trabalho. Os romanos distinguiam cidadãos e gentios impedindo o acesso dos gentios a muitos benefícios da sua sociedade, de modo que o direito visava preservar certo grupo de pessoas mantendo privilégios e impondo aos outros a serventia.
No período das luzes a ideia do contrato social visava transpor o poder das mãos da nobreza para uma elite burguesa. Esta dinâmica contratual na forma de estabelecer o direito, autorizou a sociedade a revisar seu direito. E a proporcionar a participação de um segmento que produzia riquezas mas não tinha poder. Neste contexto, hoje os brasileiros estão a discutir a modificação na idade que determina a imputabilidade penal. Hoje são inimputáveis os menores de 18 anos. Mas o que está em jogo não é somente uma escolha política conjuntural, nem o combate ao crime. O país tem leis criminais desde o tempo da colônia e as leis criminais nunca fizeram cessar a criminalidade. Muitos países no mundo têm leis criminais que tratam crianças como imputáveis criminalmente e isso não reduz a violência no âmbito social nem torna estas sociedades mais harmônicas.
Se tomarem o crescimento populacional brasileiro nos últimos anos, bem como a enorme diferença social, onde um grupo muito pequeno de pessoas detém a maior parte dos bens econômicos produzidos na sociedade e um número cada vez maior de pessoas pressionam para ter acesso a estes bens, começa-se a perceber que por trás desta mudança na imputabilidade penal dos adolescentes está o desejo de ampliar o encarceramento. Retirar de circulação toda e qualquer pessoa que possa pleitear a participação nos bens produzidos em sociedade, independente de a pessoa ser criminosa ou não.
Discute-se a redução da maioridade penal, como se todo adolescente fosse criminoso e partindo do pressuposto de que alguns estarão livres da polícia automaticamente. Vale lembrar que todo adolescente, pela própria condição de pessoa em desenvolvimento tende a pressionar os limites do regramento social. A ideia de redução da maioridade penal aponta na direção da criminalização dos adolescentes, por isso está por traz dessa ideia o encarceramento de um contingente populacional, independente de saber se são criminosos ou não. Marcando para sempre estas pessoas que jamais terão acesso à cidadania plena como ocorria com os gentios no império romano.
Assim o encarceramento como solução final para a criminalidade não atenderá ao clamor do discurso propalado e justificador da medida, mas sim irá criar um problema maior para o futuro da sociedade brasileira, criando um contingente enorme de gentios, sem acesso à cidadania, em face das marcações que se lhes fizeram ao tempo da adolescência.
Wagner Dias FerreiraAdvogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG